terça-feira, 18 de setembro de 2012

Complementar de conjuntos algébricos em $\mathbb{R}^n$

"Seja $V\subset\mathbb{R}^n$ um subconjunto algébrico não vazio. Então, $\mathbb{R}^n$ e $\mathbb{R}^n-V$ não são homeomorfos"

Abaixo, segue uma prova do resultado acima

Por Rodrigo Mendes Pereira

Primeiramente, meus agradecimentos ao professor Alexandre pelo convite! 

A prova que vou apresentar aqui usa uma versão semialgébrica da Homologia de Borel-Moore. Ressalto que o interesse em trabalhar com uma teoria de homologia dentro da estrutura semialgébrica é, dentre outros fatores, por ter a disposição boas ferramentas (como decomposição celular, descrição por fórmulas e existência de uma boa triangulação). De posse disto, é garantida a existência de uma classe fundamental sobre variedades algébricas que é essencial, em particular, para esta prova. Vamos lá então!

Gostaria de iniciar uma sequência observações sobre conjuntos semialgébricos apresentando o conceito de dimensão de conjuntos semialgébricos. Temos um teorema de decomposição de conjuntos semialgébricos que garante o seguinte: cada $X$ semialgébrico pode ser escrito como união finita e disjunta (a menos de um homeomorfismo semialgébrico) de cubos unitários abertos $(0,1)^{d_i}, \  d_i \in \mathbb{N} \cup \left\{0\right\}, i = 1,2 \ldots, k$. Com isto temos uma definição natural para dimensão de $X$, a saber, $dim X = max\left\{d_1, \ldots, d_k \right\}$ 

Antes de iniciarmos a prova propriamente dita,  vamos definir e fixar mais alguns fatos importantes referentes à teoria de homologia semialgébrica.

  •  Sobre triangulação
Se $X$ é um semialgébrico compacto em $\mathbb{R}^n$, então existem $|\mathcal{K}| \subset \mathbb{R}^n$ complexo simplicial finito e um homemorfismo  $\varphi: |\mathcal{K}| \rightarrow X$ tal que o gráfico de $\varphi$ é um conjunto semialgébrico em $\mathbb{R}^{2n}$ (definição de um aplicação semialgébrica) e tal triangulação pode ser escolhida compatível com uma família $X_1, X_2, \ldots, X_n$ de conjuntos semialgébricos em $X$. Isto significa que $\varphi^{-1}\left(X_i\right) = L_i$ subcomplexo de $\mathcal{K}$. Por outro lado, se X é ilimitado ou não contém todos os seus pontos de fronteira podemos obter uma versão semialgébrica da compactificação de Alexandrov:
 Existem, para X localmente compacto, um subconjunto semialgébrico $X^* \subset \mathbb{R}^{n+1}$ compacto, um mergulho  semialgébrico de $X$ em $X^*$ de forma que  $X^*-X = \left\{p\right\} \in \mathbb{R}^{n+1}$.

Portanto, de posse de uma triangulação de $X$ (localmente compacto) podemos definir a 

  • Homologia semialgébrica de Borel-Moore
      $H_i^{BM}(X,\mathbb{Z}_2 )$, se $X$ for compacto, é definido por  $H_i(X, \mathbb{Z}_2)$ e, se $X$ não for compacto, é definido por $H_i(X^*,X^*-X, \mathbb{Z}_2)$.

$i = 0,1, \ldots, dimX$.

Um comentário: $H_i(X, \mathbb{Z}_2)$ trata-se de um grupo de homologia simplicial (e um espaço vetorial!), induzido pelo quociente entre ciclos e bordos sobre complexo de cadeias $\mathcal{C}_i(X,\mathbb{Z}_2)$, que não depende da triangulação, ou seja, é invariante topológico. Por conseguinte, também independem da triangulação, grupos de homologia relativa induzidos pelo quociente natural entre os respectivos complexos de cadeias (considerando uma escolha compatível de triangulação).

Vamos agora a 3 resultados que serão usados na demonstração (todos os grupos de homologia considerados são com coeficientes em $\mathbb{Z}_2$):

1. Sejam $A \subset B$ semialgébricos compactos em $\mathbb{R}^n$. Temos que
 $H_q(A,B) = H_q^{BM}(A - B)$.


2. Sejam $U \subset V$, $V$ localmente compacto e $U$ subconjunto semialgébrico fechado de $V$. Então existe uma sequência exata longa

      $\ldots H_{q+1}^{BM} (V - U) \rightarrow H_q^{BM}(U) \rightarrow H_q^{BM}(V) \rightarrow H_{q}^{BM}(V - U) \rightarrow \ldots $
   

3. (Existência da classe fundamental) Seja $X$ um conjunto algébrico compacto de dimensão $d$ e considere $\phi:|\mathcal{K}| \rightarrow X$ uma triangulação semialgébrica de $X$. A soma de todos os $d$-simplexos de $\mathcal{K}$ é um ciclo não nulo com coeficientes em $\mathbb{Z}_2$, elemento de $H_d(X,\mathbb{Z}_2)$. Este elemento (que denotaremos por $[X]$) é independente da escolha da triangulação e é dito a classe fundamental de $X$.

 Vamos  agora à prova do teorema: Ah! Nessa altura, vale lembrar o que se deseja provar:

Teorema principal.
O complemento de um subconjunto algébrico de $\mathbb{R}^n$ não é homeomorfo a $\mathbb{R}^n$.

Prova:

Para nossos propósitos vamos tomar grupos de homologia reduzida $\tilde{H}$:

$H_0(|\mathcal{K}|) = \mathbb{Z}\oplus \tilde{H}_0(|\mathcal{K}|)$ e $\tilde{H}_i(|\mathcal{K}|) = H_i(|\mathcal{K}|)$ se $i > 0$.

Considere $V$ algébrico com $dimV < n$ e a seguinte sequência exata:

$\ldots \rightarrow H_i^{BM}(V) \rightarrow H_i^{BM}(\mathbb{R}^n) \rightarrow H_{i}^{BM}(\mathbb{R}^n - V) \rightarrow H_{i-1}^{BM}(V) \ldots $


Sabemos que $H_n^{BM}(\mathbb{R}^n) = \mathbb{Z}_2$ e $H_i^{BM}(\mathbb{R}^n)=0$ para $i < n$. Além disso,

$H_{dimV}^{BM}(V)$ é não trivial e $H_i^{BM}(V) = 0, \ i > dimV$.

Pela exatidão da sequência acima, obtemos ($0 < i < n$)

 $0 \rightarrow H_i^{BM}(\mathbb{R}^n-V) \rightarrow H_{i-1}^{BM}(V) \rightarrow 0$

E, portanto, $H_i^{BM}(\mathbb{R}^n - V) = H_{i-1}^{BM}(V)$, \   $0< i < n$     (I)

Para $i = n$, ficamos com o seguinte:

 $0 \rightarrow \mathbb{Z}_2 \rightarrow H_n^{BM}(\mathbb{R}^n-V) \rightarrow H_{n-1}^{BM}(V) \rightarrow 0$

Como os elementos dessa sequência podem ser vistos como módulos sobre um corpo (espaços vetoriais) temos que: $H_n^{BM}(\mathbb{R}^n-V) = \mathbb{Z}_2 \oplus H_{n-1}^{BM}(V)$ (II).


Nesse ponto, olhando para a equação (II), se fossem $\mathbb{R}^n$ e $\mathbb{R}^n-V$ homeomorfos, não poderia ser $dim V = n-1$ pois

 $ \mathbb{Z}_2 = H_n^{BM}(\mathbb{R}^n) = \mathbb{Z}_2 \oplus H_{n-1}^{BM}(V)$

E nem poderia ser  $0\leq p = dimV < n-1$ pois usando a equação (I) teríamos

$0 = H_{p+1}^{BM}(\mathbb{R}^n) = H_{p}^{BM}(V)$

Logo, $V$ deve ser $\emptyset$ e isto conclui a prova.

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