"Seja V⊂Rn um subconjunto algébrico não vazio. Então, Rn e Rn−V não são homeomorfos"
Abaixo, segue uma prova do resultado acima
Primeiramente, meus agradecimentos ao professor Alexandre pelo convite!
A prova que vou apresentar aqui usa uma versão semialgébrica da Homologia de Borel-Moore. Ressalto que o interesse em trabalhar com uma teoria de homologia dentro da estrutura semialgébrica é, dentre outros fatores, por ter a disposição boas ferramentas (como decomposição celular, descrição por fórmulas e existência de uma boa triangulação). De posse disto, é garantida a existência de uma classe fundamental sobre variedades algébricas que é essencial, em particular, para esta prova. Vamos lá então!
Gostaria de iniciar uma sequência observações sobre conjuntos semialgébricos apresentando o conceito de dimensão de conjuntos semialgébricos. Temos um teorema de decomposição de conjuntos semialgébricos que garante o seguinte: cada X semialgébrico pode ser escrito como união finita e disjunta (a menos de um homeomorfismo semialgébrico) de cubos unitários abertos (0,1)di, di∈N∪{0},i=1,2…,k. Com isto temos uma definição natural para dimensão de X, a saber, dimX=max{d1,…,dk}
Antes de iniciarmos a prova propriamente dita, vamos definir e fixar mais alguns fatos importantes referentes à teoria de homologia semialgébrica.
- Sobre triangulação
Se X é um semialgébrico compacto em Rn, então existem |K|⊂Rn complexo simplicial finito e um homemorfismo φ:|K|→X tal que o gráfico de φ é um conjunto semialgébrico em R2n (definição de um aplicação semialgébrica) e tal triangulação pode ser escolhida compatível com uma família X1,X2,…,Xn de conjuntos semialgébricos em X. Isto significa que φ−1(Xi)=Li subcomplexo de K. Por outro lado, se X é ilimitado ou não contém todos os seus pontos de fronteira podemos obter uma versão semialgébrica da compactificação de Alexandrov:
Existem, para X localmente compacto, um subconjunto semialgébrico X∗⊂Rn+1 compacto, um mergulho semialgébrico de X em X∗ de forma que X∗−X={p}∈Rn+1.
Portanto, de posse de uma triangulação de X (localmente compacto) podemos definir a
- Homologia semialgébrica de Borel-Moore
HBMi(X,Z2), se X for compacto, é definido por Hi(X,Z2) e, se X não for compacto, é definido por Hi(X∗,X∗−X,Z2).
i=0,1,…,dimX.
Um comentário: Hi(X,Z2) trata-se de um grupo de homologia simplicial (e um espaço vetorial!), induzido pelo quociente entre ciclos e bordos sobre complexo de cadeias Ci(X,Z2), que não depende da triangulação, ou seja, é invariante topológico. Por conseguinte, também independem da triangulação, grupos de homologia relativa induzidos pelo quociente natural entre os respectivos complexos de cadeias (considerando uma escolha compatível de triangulação).
Vamos agora a 3 resultados que serão usados na demonstração (todos os grupos de homologia considerados são com coeficientes em Z2):
1. Sejam A⊂B semialgébricos compactos em Rn. Temos que
Hq(A,B)=HBMq(A−B).
2. Sejam U⊂V, V localmente compacto e U subconjunto semialgébrico fechado de V. Então existe uma sequência exata longa
…HBMq+1(V−U)→HBMq(U)→HBMq(V)→HBMq(V−U)→…
3. (Existência da classe fundamental) Seja X um conjunto algébrico compacto de dimensão d e considere ϕ:|K|→X uma triangulação semialgébrica de X. A soma de todos os d-simplexos de K é um ciclo não nulo com coeficientes em Z2, elemento de Hd(X,Z2). Este elemento (que denotaremos por [X]) é independente da escolha da triangulação e é dito a classe fundamental de X.
Vamos agora à prova do teorema: Ah! Nessa altura, vale lembrar o que se deseja provar:
Teorema principal.
O complemento de um subconjunto algébrico de Rn não é homeomorfo a Rn.
Prova:
Para nossos propósitos vamos tomar grupos de homologia reduzida ˜H:
H0(|K|)=Z⊕˜H0(|K|) e ˜Hi(|K|)=Hi(|K|) se i>0.
Considere V algébrico com dimV<n e a seguinte sequência exata:
…→HBMi(V)→HBMi(Rn)→HBMi(Rn−V)→HBMi−1(V)…
Sabemos que HBMn(Rn)=Z2 e HBMi(Rn)=0 para i<n. Além disso,
HBMdimV(V) é não trivial e HBMi(V)=0, i>dimV.
Pela exatidão da sequência acima, obtemos (0<i<n)
0→HBMi(Rn−V)→HBMi−1(V)→0
E, portanto, HBMi(Rn−V)=HBMi−1(V), \ 0<i<n (I)
Para i=n, ficamos com o seguinte:
0→Z2→HBMn(Rn−V)→HBMn−1(V)→0
Como os elementos dessa sequência podem ser vistos como módulos sobre um corpo (espaços vetoriais) temos que: HBMn(Rn−V)=Z2⊕HBMn−1(V) (II).
Nesse ponto, olhando para a equação (II), se fossem Rn e Rn−V homeomorfos, não poderia ser dimV=n−1 pois
Z2=HBMn(Rn)=Z2⊕HBMn−1(V)
E nem poderia ser 0≤p=dimV<n−1 pois usando a equação (I) teríamos
0=HBMp+1(Rn)=HBMp(V)
Logo, V deve ser ∅ e isto conclui a prova.