quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Curvas de Jordan no Toro II

Como prometido, nesta postagem apresentamos uma solução do seguinte problema. 


Problema. Encontrar um algoritmo tal que ao traçar uma curva de Jordan sobre a superfície do toro seja possível decidir se a curva demarca dois territórios sobre o toro.


A solução abaixo exige um pouco de familiaridade com topologia.


Solução.  Fixamos um paralelo (em verde na figura abaixo) e um meridiano g (em azul na figura abaixo) com orientações definidas na figura.




Seja J uma curva de Jordan no toro com sentido de percurso definido.


Para cada ponto P no cruzamento da curva de Jordan J (em vermelho abaixo) com o paralelo f , definimos um número i(J,f,P) da seguinte forma:


i(J,f,P)=1 se o cruzamento ocorrer da seguinte forma

i(J, f, P) = -1 se o cruzamento ocorrer da seguinte forma

Consideramos o número inteiro m(f,J) definido como a soma de todos os números i(J,f,P) variando P nos pontos de cruzamento de J com f.


Analogamente, para cada ponto Q no cruzamento da curva de Jordan J com o meridiano g definimos o número  i(J,g,Q) e, também, definimos o número inteiro m(g,J) como a soma de todos os números i(J,g,Q) variando Q nos pontos de cruzamento de J com g.


Finalmente, temos que J divide o toro em dois territórios se, e somente se, os números inteiros m(f,J) e m(g,J) são iguais a zero.

Final da solução.




A partir daqui, mostramos porque o algoritmo acima funciona! A solução que apresentamos acima está fundamentada nos seguintes resultados.


Primeiro Resultado. Uma curva de Jordan demarca dois territórios no toro se, e somente se, ela pode ser continuamente deformada em um ponto sobre o toro.

Esse primeiro resultado não é trivial. No final da postagem segue uma ideia de sua prova.

Segundo Resultado. O grupo fundamental do toro é isomorfo ao grupo abeliano livre gerado por dois elementos.

De fato, do Segundo Resultado precisamos utilizar algo da construção do isomorfismo entre o grupo fundamental do toro, doravante denominado grupo G, e o grupo abeliano livre com dois geradores. Os meridianos e os paralelos definem os dois geradores do grupo G e os caminhos que podem ser deformados em J, vistos como elementos do grupo G, se escrevem de forma única como


m(f,J) f + m(g,J) g  

Desde que as curvas que podem ser deformadas em um ponto definem o elemento neutro do grupo G, concluímos que a curva de Jordan J pode ser deformada em um ponto se, e somente se, m(f, J) e m(g, J) são iguais a zero e, recorrendo ao Primeiro Resultado, concluímos que a curva de Jordan J demarca dois territórios sobre o toro se, e somente se, m(f, J) e m(g, J) são iguais a zero.


Para finalizar a postagem, apresentamos abaixo uma ideia da prova do Primeiro Resultado.  


Seja J uma curva de Jordan no toro.


Afirmação 1. 
 J se deforma em um ponto se, e só se, J é fronteira de um disco no toro

No caso em que J se deforma em um ponto, de acordo com o Teorema de Monodromia, o seu levantamento para o recobrimento universal do toro (no caso o plano) é uma curva de Jordan também e, pelo Teorema Clássico da Curva de Jordan, tal levantamento divide o plano em dois territórios e um desses territórios D é um disco topológico que tem o levantamento de J como fronteira. Com um pouco de esforço, mostra-se que a restrição do recobrimento a D é um homeomorfismo sobre a sua imagem e, portanto, J é fronteira de um disco topológico no toro. A recíproca é clara.

Afirmação 2. 
J é fronteira de um disco, se e só se, J demarca territórios no toro.

Suponhamos que J divide o toro em dois territórios A e B. Sejam A' a reunião de A com J e  B' a reunião de B com J. Abaixo temos figuras que dão uma ideia do que sejam A' e B'. 

Se, após o corte do toro ao longo da curva J, obtemos as figuras como as que estão imediatamente acima, temos que J é fronteira do disco topológico B. Demonstremos agora que devemos ter exatamente as figuras acima, após o corte do toro ao longo da curva J. De fato, se colamos um disco a A' (respectivamente B') colando a fronteira do disco à curva J obtemos duas superfícies fechadas no espaço cuja soma conexa é exatamente o toro. Pela classificação das superfícies fechadas, temos que umas delas é um toro e a outra é uma esfera, pois essa é a única possibilidade de se obter um toro como soma conexa de duas superfícies fechadas. Sem perda de generalidade, podemos supor que a esfera foi obtida de B' por colagem de um disco ao longo de J. Portanto, B' é exatamente como na figura acima.

A recíproca não oferece resistência.

2 comentários:

  1. Realmente, tava ruim de eu conseguir fazer tal algoritmo.

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  2. Caro amigo Braf,

    o problema do nosso amigo stick não acabada aqui! Estou pensando em convidá-lo, juntamente com o seu indesejável cão, a visitar o planeta bi-toro.

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